Contratempos logo a começar a noite. Bebe-se o café, aquece-se a alma e o corpo para uma noite de música e dança e quando vamos para apanhar o eléctrico 28, eis que está a sair do Largo da Graça. Já lá vai, vamos então a pé seguindo os trilhos pela colina abaixo. Começa a chover, e não é pouco. Mas eis que aparece outro eléctrico, tal maná descendo a colina, passa pelo Bairro Alto claro. Não, este vai recolher, fica na Praça da Figueira. Desolado na praça, o meu chapéu não é de chuva e não o quero molhar, mas como cantavam os Táxi no seu rock-ska “Chiclete” é “fundamental levar a vida a dançar”.
Os Salada de Frutas, também dos anos oitenta cantavam “Se cá nevasse eu fazia ska ski”, e não faz muito tempo que caíram uns pequenos flocos em Lisboa, mas hoje só chove e os Salada de Frutas tal como os Táxi fazem parte daquela década em que o ska da escola inglesa Two Tone com os Specials, Madness, The Beat, influenciou o resto da cultura pop com o seu ritmo, dança, estética, inter-racialismo, e claro, chapéus. Hoje o ska é no Clube Mercado na Rua das Taipas, mesmo ao pé do Bairro Alto.
Contratempos é o nome da banda e o do álbum é “Algures, no meio do nada”, a casa está bem composta tendo em conta que concertos de ska em Portugal quase que se contam pelos dedos da mão de um maneta (exagero), t-shirts dos Ramones e dos Rancid misturadas numa amálgama dançante que veio cá para a celebração e a rapaziada desfilou as músicas do seu primeiro e até agora único álbum e ainda versões de clássicos do género. Falei com o Luís, teclista da banda e mentor do site Movimento Ska, um porreiro, se me permitem a palavra.
Vocês são a única banda portuguesa de Ska?
A única banda de ska no seu termo mais abrangente não seremos de certeza. Somos sim, a única banda portuguesa de sempre que se dedica ao ska na sua vertente mais tradicional. Afirmamos isto com alguma certeza pois não me lembro de alguma vez ter ouvido uma banda portuguesa a praticar uma sonoridade como a nossa. E sim, temos algum orgulho nisso.
Tocam música jamaicana, e também americana, da década de sessenta. As vossas principais influências são os pioneiros?
Os Skatalites são primordialmente, e devem sempre ser a grande influência de quem pratica ska tradicional. O soul e o funk estão muito presentes no nosso som, mas a música jamaicana também surgiu como tentativa de imitação da música americana dos anos 50 como era o r&b.
E têm muitas versões dos mestres?
Ora bem, desde o princípio da banda que começámos por fazer “covers” da “Guns of Navarone” e da “Phoenix City”, dois dos maiores clássicos. Depois tocamos também a “Simmer Down” (que teve a participação do Bob Marley nos anos 60) e mais recentemente tocámos outras duas: “Confucius” e “Freedom Sounds”. Talvez ande na calha um dia fazer um concerto só de tributo aos mestres... Quem sabe...
E a chamada segunda vaga ou Two Tone e a terceira vaga já americana, têm importância no vosso som?
A verdade é que nenhuma banda que se enquadra nesses sons nos influencia. Claro que conhecemos e até tocamos a versão dos Specials da "Rudy, A Message To You", mas não somos muito fãs do 2tone e do ska 3rd wave etc. No entanto, penso que todos nós entrámos no mundo do ska através de bandas de ska/punk e 3rd wave. Pelo menos eu confesso que entrei por nomes como Reel Big Fish e Mad Caddies (sendo esta já mais uma banda de fusão do que ska/punk).
Quando se formaram em 2003, o mote para os fundadores foram os The Clash, o punk continua a ser importante para muitos conhecerem a música jamaicana e o ska em particular, concordam?
Sim, como te disse, eu entrei no ska através de bandas de punk/ska. Os Clash foram uns dos grandes pioneiros a juntar a música jamaicana com o punk e a ligação entre os dois estilos musicais é inegável, se bem que muitas vezes representa o que é o ska para muita gente. Com isto quero dizer que muita gente em Portugal confude ska com ska/punk, e nós esperamos vir a mudar essa perspectiva.
A Teresa é a baixista desde o início, é uma das excepções ou existem mais mulheres instrumentistas no ska?
A Teresa é uma excepção, tanto no ska como em todos os outros estilos. Não sei porque é que isso acontece mas parece-me que realçar esse aspecto será encarar a situação com pouca naturalidade. E é naturalidade que se precisa, se queremos um meio musical com mais mulheres instrumentistas. Para nós é mais que normal ter a Teresa no baixo, mas há sempre alguém nos concertos que gosta de mandar uns piropos... De qualquer maneira existe uma rapariga saxofonista numa banda Suiça intitulada Open Season, e lembro-me também da vocalista/trompetista dos Jim Murple Memorial.
2005 foi um ano em cheio de concertos, disseste neste do Mercado que seria o último durante algum tempo, qual a razão?
A razão é muito simples. Nós tocamos aquilo que nos apetece, e isso felizmente agrada a muita gente nos concertos. Não temos compromissos com ninguém e isso viu-se no nosso primeiro álbum. Mas agora chegou altura de mudar as músicas que tocamos nos concertos (essencialmente as “covers”) e começar a fazer músicas novas. Como nós não fazemos da banda a nossa vida, precisamos de tempo e espaço para fazer isto, sem termos que nos preocupar com concertos, mesmo que isso implique uma "quebra promocional" da banda. Fazemos música, primeiro para nós, e depois para os outros.
Sei que vão à Galiza ainda este ano, algum festival?
Nós já estivemos uma vez na Galiza e correu bem, daí este 2º convite de alguém que nos viu por lá. Ainda não sabemos muitos pormenores mas como eles providenciaram as condições suficientes (coisa que em Portugal rarissimamente acontece) aceitamos com muito agrado o interesse deles em nos ter lá. De qualquer maneira é só em Setembro e nota que nós não tencionamos ficar parados o ano inteiro. Queremos estar a dar muitos concertos lá para finais de Julho/Agosto, altura em que acabam os exames.
Qual o concerto mais marcante até hoje?
Isso diverge muito de membro para membro, mas há concertos a destacar: destaco o concerto que demos com os Slackers em que estar com eles foi um dos maiores privilégios que alguma vez tive. O Festival Ska de Cá que ajudámos a por de pé, porque o público reagiu tão bem que até invadiu o palco na última música para dançar connosco. Destaco finalmente o concerto do fim de ano pois correu muito bem em todos os aspectos e porque foi o último com o nosso querido Alex, que estará sempre presente.
E o público? Existe e pode melhorar?
Como o nosso estilo musical não é muito excêntrico, pode ser aproveitado para dançar pelo velhote de 80 anos que pensa que somos o grupo de baile de Oeiras, pelo puto de oito anos que sente a batida para dançar e pela juventude que sente a vontade de curtir ao som de música bem disposta.
Para quando o segundo álbum?
Estamos precisamente a pensar nele já, e a iniciar novas composições. É muito cedo para apontar uma data, mas se tudo correr bem (e connosco nunca corre) este ano temos pelo menos a gravação feita. E se tudo correr ainda melhor vamos gravar com o BOSS da produção de música jamaicana, mister Vic Rice, uma vez que ele já tinha mostrado interesse em o fazer para o nosso 1º álbum.
É o ska apenas um género musical ou também um estilo de vida?
Quanto a isso só te posso dizer que muito da minha vida e dos meus projectos giram à volta da música jamaicana dos anos 60. Se isso é um estilo de vida... não sei. Acima de tudo quero é que toda a gente conheça o que realmente é o ska, o rocksteady e o early reggae.
Texto: O Rapaz do chapéu.
leoneljesus@hotmail.com
Tuesday, March 28, 2006
Contratempos numa noite de Inverno
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