Aos 83 anos morreu, em Nova Iorque, Ahmet Ertegun, o fundador da Atlantic Records. Desaparece o entusiasta que amava o jazz e a quem muito devem as carreiras de nomes como Ray Charles, Aretha Franklin, Solomon Burke, Wilson Pickett ou os Led Zeppelin. Desaparece um dos últimos "editores-melómanos" da era pré-industrialização do negócio da música gravada. Um exemplo de paixão e dedicação a ter em conta pelas novas gerações de pequenos editores. Porque é deles o futuro.
A história do turco que gostava de jazz
O processo de elevação do rhythm'n'blues e jazz da América urbana negra a um estatuto de grande mercado da América branca - através da descoberta e desenvolvimento do talento de figuras como Ray Charles, Aretha Franklin, Ruth Brown ou LaVern Baker - deveu muito ao esforço, paixão e investimento pessoal de um emigrante turco, um jovem de classe média, chegado aos Estados Unidos aos 11 anos de idade. Chamava-se Ahmet Ertegun, e era há muito a mais respeitada das figuras da indústria discográfica norte-americana, decano feito ícone de um meio em tempo de descaracterização das suas figuras de referência. Morreu na noite de ontem, em Nova Iorque, aos 83 anos, vítima de sequelas de uma queda no passado dia 29 de Outubro nos bastidores do Beacon Theatre. Tinha ido assistir a um concerto dos "seus" Rolling Stones.Apesar de célebre e marcante ter sido o seu trabalho enquanto editor ao serviço do jazz e rhythm'n'blues (e consequente derivação, a soul), Ahmet Ertegun não fechou o catálogo da Atlantic a nichos estéticos e fez questão de não deixar o rock'n'roll fora de casa. Tanto que, em 1970, quando os Rolling Stones tomaram conta dos seus destinos editoriais, foi ele mesmo quem discutiu com Mick Jagger um acordo de distribuição, a identidade "Stones" assegurada pelo novo logotipo da língua de fora, a gestão dos fluxos de vendas garantida pela editora americana. Esses foram, de resto, dias de glória (e sucesso) para o catálogo rock'n'roll de uma editora que, além dos Rolling Stones, era então casa dos Led Zeppelin e representante, para os EUA, dos Abba (cujas potencialidades Ertegun compreendeu antes de todos os mais).
Filho do embaixador turco em Washington, Ahmet Ertegun chegou aos EUA em 1934, cedo desenvolvendo um gosto pelo jazz, entusiamo partilhado pelo irmão Nesushi. Já em Nova Iorque, fez amizades no circuito jazzístico e, aos poucos, descobriu os bastidores da rádio e da edição discográfica. O entusiasmo ditou a aventura e, com um sócio nova iorquino (Herb Abramson), e dez mil dólares emprestados pelo seu dentista, fundou em 1947 a Atlantic Records (o nome decidido como "resposta " de costa atlântica à Pacific, editora de jazz da costa Oeste), conquistando o primeiro êxito um ano depois com Drinking Wine Spo-Dee-O-De, de Stick McGhee. Em 1953 recrutaram o crítico da Billboard, Jerry Westler como responsável de Artistas & Repertório e abriram espaço ao emergente rhythm'n'blues, assinando nomes como os Drifters, The Coasters ou Ray Charles (este último sendo habitualmente apontado por Ertegun como tendo sido o homem que lhe ensinou como se faziam discos). Os êxitos solidificaram a saúde da editora, mas foi o relacionamento com os artistas que fez a diferença. Pagava a horas e eram célebres os royalties invulgarmente elevados que atribuia aos seus músicos. Para garantir esta relação positiva, a Atlantic editava três singles por mês, obrigando-se a vender, pelo menos, 60 mil cópias de cada um para cobrir os custos.
A explosão rock'n'roll abalou as estruturas da indústria em meados de 50. A Atlantic chegou a assediar Elvis Presley com 30 mil dólares, mas perdeu para a RCA. Nos anos 60, a editora conheceu concorrência na Motown, mas ditou alguns dos mais determinantes episódios da emergente soul music através de uma relação directa com a Stax Records, que tinha no catálogo nomes como os de Otis Redding ou Isaac Hayes e com assinaturas directas com Aretha Franklin e Wilson Pickett, entre outros. A década fechou em glória com a edição do álbum com os retratos áudio de Woodstock.Data ainda de finais de 60 a venda da editora à Warner, por 17 milhões e meio de dólares. Ahmet manteve-se como executivo, sobretudo responsável pela procura de novo talento. Nos anos 70, além do rock, Ahmet Ertegun abriu a Atlantic ao disco sound, assinando os Chic, a melhor das bandas que o género nos deu. Por essa altura. Nos 80 trabalhou os AC/DC, nos 90, Jewel, no século XXI, James Blunt. Nunca deixou de trabalhar. Nunca deixou de ser executivo. Era o último dos pequenos grandes editores. Os tempos mudam...
fonte: Texto publicado no DN, autor Nuno Galopim. foto Jim Cooper/AP
Monday, December 18, 2006
A historia do turco que gostava de jazz
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